Como Donald Trump e apoiantes estão a desenvolver as suas redes em França e na Europa

Desde a vitória do candidato republicano nas eleições presidenciais americanas, os laços entre os membros da sua administração, as organizações da esfera "Make America Great Again" e a extrema-direita europeia têm vindo a reforçar-se.

Um Olhar Europeu com FRANCEINFO /
Heloise Krob / FRANCEINFO



Em Paris, reuniram-se à volta de uma estátua de La Fayette para prestar homenagem a "um mártir". Diante de cartazes "Je suis Charlie", cerca de 250 pessoas saudaram a memória do influenciador americano ultraconservador Charlie Kirk, na sexta-feira, 19 de setembro, em Paris. A embaixada americana esteve presente, nove dias após o assassinato deste rosto da juventude trumpista. 

A extrema-direita francesa também esteve presente. Dois deputados do RN, Anne Sicard e Eddy Casterman, fizeram a viagem. O hino americano soou, assim como uma mensagem do presidente da Fundação Heritage, Kevin Roberts, dirigida de Washington e lida para a multidão. 

O seu grupo de reflexão ultraconservador e altamente influente está por detrás do "Projeto 2025" - um plano de 900 páginas que define as prioridades de Donald Trump se for reeleito. "Nós vamos ganhar", promete Kevin Roberts. A cena, em pleno coração da capital, ilustra os laços cada vez mais estreitos entre a esfera trumpista e os seus aliados europeus, um ano após uma nova vitória do líder populista, a 6 de novembro de 2024. 

Presente na homenagem, Jacob Ross, investigador do Instituto Alemão de Política Externa (DGAP), vê uma "ligação cada vez mais forte" entre o movimento Maga (derivado do slogan "Make America Great Again") e os seus aliados no velho continente. Estas ligações estão longe de ser novas, nomeadamente com a Hungria de Viktor Orbán, mas estão a tornar-se "profissionalizadas".

Trocas de pontos de vista com a direita trumpista


Em França, vários líderes de extrema-direita estiveram presentes na tomada de posse de Donald Trump: Louis Aliot, vice-presidente do Rassemblement National, Marion Maréchal, Sarah Knafo e Eric Zemmour. "Um convite ligado aos grupos parlamentares europeus", explica Louis Aliot, que se deslocou com Alexandre Sabatou, deputado europeu, e Julien Sanchez, deputado europeu. O presidente da Câmara de Perpignan garante que "não há telefone vermelho entre o RN e os republicanos [em Washington]".

Sarah Knafo, por outro lado, está muito satisfeita com a aproximação. A eurodeputada do partido Reconquista "sempre manifestou uma apreciação lúcida e positiva de certos êxitos da administração Trump", recorda um porta-voz do seu grupo no Parlamento Europeu. Estive nos Estados Unidos no final do ano e ela esteve muito presente", afirma Jacob Ross. Usou o tempo que lá passou para construir redes". Contactada por diversas vezes, a representante eleita recusou-se a dar mais pormenores.

"Sarah Knafo utilizou muitas das técnicas do populismo de direita americano, como os ataques ao Estado profundo. Os húngaros fizeram o mesmo", explica Jacob Ross, investigador do Instituto Alemão de Política Externa.

Na tomada de posse de Donald Trump, Sarah Knafo e Eric Zemmour encontraram-se com o investigador da Fundação Heritage, Mike Gonzalez. O mesmo aconteceu com Louis Aliot, Julien Sanchez e Alexandre Sabatou. O influente grupo de reflexão "já tinha relações com o Reconquista", afirma o vice-presidente da RN, referindo também a sua proximidade com o Vox, um partido de extrema-direita espanhol. Alexandre Sabatou refere-se à "diplomacia, às trocas de pontos de vista" com a Heritage, nomeadamente sobre o comércio e a imigração.

"A fundação é muito conservadora, eu não sou particularmente conservador. Estamos sintonizados sobre outros assuntos, como a luta contra o wokismo". Um termo regularmente utilizado pela direita e pela extrema-direita dos dois lados do Atlântico, em reação aos movimentos contra a discriminação. No seio da direita americana, "há um cimento que é a cruzada cultural, uma ofensiva reacionária muito profunda e aterradora contra as universidades e os direitos das minorias", observa David Amiel, deputado macronista que se tornou ministro da Função Pública. Também ele se encontrou com a Heritage na primavera.

Construção de relés na Europa

Alexandre Sabatou reencontrou brevemente Kevin Roberts durante a sua primeira visita a França, no final de maio. "Era muito importante para ele compreender melhor a direita conservadora em França", sublinha James Carafano, conselheiro do presidente da fundação.

"Há uma direita em ascensão em França que desafia o sistema atual. Temos uma direita grande e diversificada. Era muito importante que os dirigentes da fundação viessem conhecê-la", diz James Carafano, conselheiro de Kevin Roberts na Fundação Heritage.

Os encontros foram organizados com a ajuda do casal Pesey, segundo Nicolas Conquer, porta-voz do Republicans Overseas France. Alexandre Pesey é próximo do bilionário ultraconservador Pierre-Edouard Stérin, enquanto a mulher, Kate, dirige a Bourse Tocqueville, que envia jovens para o coração das esferas ultraconservadoras americanas. Kevin Roberts encontra-se com Eric Zemmour, Sarah Knafo, Marion Maréchal, Eric Ciotti. Sem esquecer outras pessoas próximas de Pierre-Edouard Stérin: François Durvye, conselheiro económico do RN, e Arnaud Rérolle, chefe do projeto Périclès, que visa promover os valores conservadores em França, até que os candidatos de direita e de extrema-direita ganhem as eleições.

Quais são os objetivos de Kevin Roberts com esta primeira visita a França? James Carafano garante que "não está a fazer política" e prefere falar de apoio mútuo entre conservadores. "Há um desejo real de nos apoiarmos em relés: Itália, Hungria... Fala-se muito da América em primeiro lugar, mas não é só a América", diz Nicolas Conquer, ele próprio um antigo candidato do LR-RN às eleições legislativas.

"A Fundação Heritage vê o impasse em França, a página do macronismo a virar. Estão curiosos", explica Nicolas Conquer, porta-voz da Republicans Overseas France.

Jacob Ross vê este interesse não só em França, mas também na Alemanha."Os americanos estão conscientes de que estes são os países mais importantes da UE. Virar os dois países na sua direção seria uma vitória ideológica e política notável."

Diplomacia americana em ação


Na Alemanha, o apoio da administração Trump à extrema-direita foi rapidamente exibido. "Só a AfD pode salvar a Alemanha", proclamou Elon Musk em dezembro, dois meses antes das eleições legislativas na Alemanha. O homem mais rico do mundo, apoiante e depois conselheiro do presidente americano, deu também uma entrevista de uma hora e 15 minutos a Alice Weidel, líder do partido de extrema-direita alemão.

Aliás, Weidel pôde mesmo encontrar-se com o Vice-Presidente dos EUA, J.D. Vance, em Munique, a 14 de fevereiro - ao contrário do Chanceler Olaf Scholz. "Receio que a liberdade de expressão esteja a recuar" na Europa, disse nesse dia o número 2 do poder executivo norte-americano. J.D. Vance dirigiu depois a sua atenção para o Reino Unido, onde ativistas contra o aborto foram processados por rezar perto de clínicas onde se realizam abortos. O discurso altamente crítico foi seguido de ação: um ramo do Departamento de Estado dos EUA - o Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (DRL) - reuniu-se com vários destes ativistas britânicos na primavera. "Contei-lhes o que tinha passado. Eles foram muito atenciosos", conta Isabel Vaughan-Spruce, uma das convidadas.

As palavras "calorosas" dirigidas a Isabel Vaughan-Spruce não foram as mesmas na Repórteres sem Fronteiras, dois meses mais tarde, em Paris. Segundo informações apuradas pela Franceinfo, o encontro foi organizado pela embaixada americana. Os membros do Departamento de Estado discutiram o acesso de Marine Le Pen aos meios de comunicação social e o risco de "silenciamento" da política de extrema-direita. Segundo a Reuters e o Le Monde, a mesma delegação reuniu-se com membros do RN, oferecendo o seu apoio ao partido. Esta informação foi desmentida pelo gabinete de Marine Le Pen.

Aumento do lobbying


Estes laços estão também a estreitar-se no seio do Parlamento Europeu. Ao analisar as reuniões entre deputados europeus e lóbis desde 2024, a Transparência Internacional identificou cerca de 50 reuniões "na esfera conservadora americana". "Podemos ver uma mudança", salienta Raphaël Kergueno, responsável sénior pela advocacia. Os dados da ONG, consultados pela Franceinfo, mostram seis reuniões com a Heritage Foundation desde janeiro, quando nos últimos cinco anos tinha havido apenas uma.

Para Raphaël Kergueno, da Transparência Internacional, "esta presença existe. Não a víamos antes".

A Republicans for National Renewal (RNR), outra entidade americana que defende o nacionalismo e o populismo, teve sete reuniões em quatro meses com representantes eleitos europeus em Estrasburgo e Bruxelas, em comparação com três entre 2019 e 2024. Tal como a Heritage Foundation, não aparece no registo de transparência da UE. No entanto, "qualquer organização ou indivíduo envolvido em actividades de representação de interesses deve registar-se", diz o serviço de imprensa do Parlamento.

À frente da RNR, Mark Ivanyo garante que não tem essa obrigação, pois não se considera um lobista. "Ajudamos a criar ligações. Orgulhamo-nos de ter posto muitos partidos patrióticos europeus em contacto com os eleitos, com os aliados de Trump", explica. Em França, o americano confessa que trocou impressões com o RN e o Reconquista. Assume que quer ver os seus aliados europeus "chegarem ao poder", e a sua organização tem vários membros na Europa.

"Esperamos poder trabalhar em conjunto, porque é a única maneira de derrotar a esquerda globalista. Algumas ONG promoveram o esquerdismo, a direita deve ser capaz de fazer o mesmo", explica Mark Ivanyo, diretor executivo da RNR.

Serão estes encontros motivo de preocupação? "Fazem parte de uma democracia parlamentar", defende o eurodeputado social-democrata alemão Tobias Cremer, que se encontrou com a Heritage em Washington. "Já fui diplomata. Sempre estive convencido da importância de falar com os nossos homólogos, especialmente com aqueles de quem mais discordamos." No entanto, a sua avaliação seria "diferente" se a esfera Maga apenas se encontrasse com eurodeputados "de um partido muito específico". A Heritage reuniu-se com o S&D e o Partido Popular Europeu (PPE), mas está sobretudo em contacto com a extrema-direita do hemiciclo. A RNR falou exclusivamente com os eurodeputados desta corrente política.

"As reuniões são perfeitamente legais, mas quando se veem ligações com organizações que se opõem fundamentalmente à UE, percebe-se que o perigo está à espreita", sublinha Raphaël Kergueno, da Transparência Internacional.

Para Raphaël Kergueno, "é mais do que uma tentativa de influência, é quase como uma tentativa de mudar o regime". O projeto "Grande Reinicialização", apoiado por grupos de reflexão ultraconservadores polacos e húngaros, foi apresentado à Fundação Heritage, em Washington, em março. O objetivo é "Menos Europa e voltar a colocar a soberania dos Estados membros no centro. Que a União Europeia esteja ao seu serviço", defende um dos autores, Rodrigo Ballester. O que por outras palavras, significa : "limitar as competências da UE", em particular da Comissão Europeia.

Valentine Pasquesoone - France Télévisions
Edição e tradução - Joana Bénard da Costa - RTP
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